Rómulo Gedeão
Conheci António Gedeão como Rómulo de Carvalho. Nos corredores e pátios do Liceu de Pedro Nunes a sua figura austera impunha respeito, mas também o seu por vezes enigmático sorriso irradiava simpatia à sua volta. Era um dos muitos Senhores que nessa altura ensinavam no Liceu e que moldaram indelevelmente a formação de quem teve a sorte de ser seu aluno. Morando, tal como ele, em Campo de Ourique, muitas vezes os nossos caminhos para o Liceu se cruzaram. Não foi com ele que aprendi Química, mas talvez ele tenha sido decisivo para o caminho profissional que depois tomei quando, em consequência do interrogatório que me fez em plena prova oral do exame do então 7.º ano – ainda me lembro, algo à volta das fórmulas do ácido fórmico e do ácido acético - apanhei o primeiro chumbo da minha vida e o “convite” para repetir a disciplina em Outubro. No fundo foi bom porque isso me permitiu ter uma nota a Físico-Químicas que me dispensou do então exame de aptidão e entrar directamente no Técnico.
Encontrei António Gedeão tempos depois nas páginas de um volume da Lírica Portuguesa que a Portugália editava. Fascinou-me a linguagem técnica e científica aplicada nos poemas:
Carpelos e estames de aço,
de longas e brunidas hastes,
articulam-se em abraço.
Rasgam os ventres e o espaço
escavadoras e guindastes.
(“Ode Metálica”, Teatro do Mundo, 1956)
Apreciei o ritmo de muitas das suas obras:
Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras,
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na brutidão dos calcários.
(“Poema da Pedra Lioz”, Teatro do Mundo, 1956)
E sobretudo a crença na liberdade e na afirmação de cada um, muito sensível para quem andava na casa dos vinte nos anos sessenta:
Venho da terra assombrada
do ventre da minha mãe,
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença ! Com licença !
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
(“Fala do Homem Nascido”, Teatro do Mundo, 1956)
Não me admirei por isso quando os trovadores começaram a cantar os seus poemas e passámos a ouvir a “Lágrima de Preta”, a “Calçada de Carriche”, o “Poema da Malta das Naus” ou a “Pedra Filosofal”.
A António Gedeão poeta / Rómulo de Carvalho professor, no centenário do seu nascimento, um agradecimento de alguém que sente que ele/eles lhe disseram alguma coisa na vida.
Encontrei António Gedeão tempos depois nas páginas de um volume da Lírica Portuguesa que a Portugália editava. Fascinou-me a linguagem técnica e científica aplicada nos poemas:
Carpelos e estames de aço,
de longas e brunidas hastes,
articulam-se em abraço.
Rasgam os ventres e o espaço
escavadoras e guindastes.
(“Ode Metálica”, Teatro do Mundo, 1956)
Apreciei o ritmo de muitas das suas obras:
Álvaro Góis,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras,
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na brutidão dos calcários.
(“Poema da Pedra Lioz”, Teatro do Mundo, 1956)
E sobretudo a crença na liberdade e na afirmação de cada um, muito sensível para quem andava na casa dos vinte nos anos sessenta:
Venho da terra assombrada
do ventre da minha mãe,
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença ! Com licença !
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
(“Fala do Homem Nascido”, Teatro do Mundo, 1956)
Não me admirei por isso quando os trovadores começaram a cantar os seus poemas e passámos a ouvir a “Lágrima de Preta”, a “Calçada de Carriche”, o “Poema da Malta das Naus” ou a “Pedra Filosofal”.
A António Gedeão poeta / Rómulo de Carvalho professor, no centenário do seu nascimento, um agradecimento de alguém que sente que ele/eles lhe disseram alguma coisa na vida.
2 Comments:
Bonita e merecida homenagem!
Obrigado, Laura.
Deve ter conseguido fazer o comentário mais rápido a um post. Eu ainda o estava a emendar e alindar quando o comentário surgiu.
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